quarta-feira, 22 de julho de 2009

ASPECTOS CULTURAIS ISRAELO-PALESTINOS


Resumo: Este trabalho visa mostrar sob uma visão antropológico-cultural, baseada livros, artigos e filmes, aspectos relevantes sobre as etnias dominantes na Palestina, as causas dos conflitos entre os povos viventes neste local e os aspectos históricos que levaram ao atual momento de incertezas.


Palavras-chave: Israel, Palestina, Judaísmo, História.


INTRODUÇÃO


Qualquer israelense sabe que o povo judeu existe desde a entrega da Torah no monte Sinai e se considera seu descendente direto e exclusivo. Todos estão convencidos de que os judeus saíram do Egito e fixaram-se na Terra Prometida, onde edificaram o glorioso reino de Davi e Salomão, posteriormente dividido entre Judéia e Israel. E ninguém ignora o fato de que esse povo conheceu o exílio em duas ocasiões: depois da destruição do Primeiro Templo, no século 6 a.C., e após o fim do Segundo Templo, em 70 d.C.


Foram quase 2 mil anos de errância desde então. A tribulação levou-os ao Iêmen, ao Marrocos, à Espanha, à Alemanha, à Polônia e até aos confins da Rússia. Felizmente, eles sempre conseguiram preservar os laços de sangue entre as comunidades, tão distantes umas das outras, e mantiveram sua unicidade.


As condições para o retorno à antiga pátria amadureceram apenas no final do século 19. O genocídio nazista, porém, impediu que milhões de judeus repovoassem naturalmente Eretz Israel, a terra de Israel, um sonho de quase vinte séculos.


Virgem, a Palestina esperou que seu povo original regressasse para florescer novamente. A região que pertencia aos judeus, e não àquela minoria desprovida de história que chegou lá por acaso. Por isso, as guerras realizadas a partir de 1948 pelo povo errante para recuperar a posse de sua terra foram justas. A oposição da população local é que era criminosa.


De onde vem essa interpretação da história judaica, amplamente difundida e resumida acima?


Trata-se de uma obra do século 19, feita por talentosos reconstrutores do passado, cuja imaginação fértil inventou, sobre a base de pedaços da memória religiosa judaico-cristã, um encadeamento genealógico contínuo para o povo judeu. Claro, a abundante historiografia do judaísmo comporta abordagens plurais, mas as concepções essenciais elaboradas nesse período nunca foram questionadas.


Em Israel, há departamentos acadêmicos especiais para o estudo da “história do povo judeu”. Lá prevalecem temerosos e conservadores, revestidos por uma retórica apologética baseada em idéias preconcebidas.


Quando apareciam descobertas capazes de contradizer a imagem do passado linear, elas praticamente não tinham eco. Como um maxilar solidamente fechado, o imperativo nacional bloqueava qualquer espécie de contradição ou desvio em relação ao relato dominante. E as instâncias específicas de produção do conhecimento sobre o passado judeu contribuíram muito para essa curiosa paralisia unilateral: em Israel, os departamentos exclusivamente dedicados ao estudo da “história do povo judeu” são bastante distintos daqueles da chamada “história geral”. Nem o debate de caráter jurídico sobre “quem é judeu” preocupou esses historiadores: para eles, é judeu todo descendente do povo forçado ao exílio há 2 mil anos.


Esses pesquisadores “autorizados” tampouco participaram da controvérsia trazida pela revisão histórica do fim dos anos 1980. A maioria dos atores desse debate público veio de outras disciplinas ou de horizontes extra-universitários, inclusive de fora de Israel: foram sociólogos, orientalistas, lingüistas, geógrafos, especialistas em ciência política, pesquisadores em literatura e arqueólogos que formularam novas reflexões sobre o passado judaico e sionista. Dos “departamentos de história judaica” só surgiram rumores temerosos e conservadores, revestidos por uma retórica apologética baseada em idéias preconcebidas.


Ou seja, após 60 anos recém-completos, a historiografia de Israel amadureceu muito pouco e, aparentemente, não evoluirá em curto prazo. Porém, os fatos revelados pelas novas pesquisas colocam para todo antropólogo honesto questões fundamentais ainda que surpreendentes, numa primeira abordagem.

HISTORICIDADE DE ISRAEL

O conflito israelo-palestino envolve a disputa dos dois povos pelo direito à soberania e pela posse da terra ocupada por Israel e pelos territórios palestinos.

O impasse teve início no século 19, quando judeus sionistas expressaram o desejo de criar um Estado moderno em sua terra ancestral e começaram a criar assentamentos na região, na época controlada pelo Império Otomano.

Desde então, houve muita violência e controvérsia em torno da questão, assim como vários processos de negociações de paz durante o século 20 e ainda estão em andamento.

Tanto israelenses quanto palestinos reivindicam sua parte da terra com base na história, na religião e na cultura. Os israelenses, representados pelo Estado de Israel, têm soberania sobre grande parte do território, que foi conquistado após a derrota dos árabes em duas guerras --o conflito árabe-israelense de 1948 e a Guerra dos Seis Dias, de 1967.

Os palestinos, representados pela Autoridade Nacional Palestina (ANP), querem assumir o controle de parte dos territórios e estabelecer um Estado Palestino soberano e independente.

Após a vitória do Hamas (considerado pelos EUA e por Israel como um grupo terrorista) em 2006, a comunidade internacional iniciou um bloqueio financeiro à ANP que gera uma grave crise nos territórios palestinos.

1917 – (Declaração do Reino Unido) O Reino Unido divulga a Declaração de Balfour, que concede aos judeus direitos políticos como nação, e foi vista pelo povo judeu como uma promessa para a formação de um Estado Judeu nos territórios palestinos.

1947 – (Plano de partilha da ONU) Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) aprova plano para partilha da Palestina, ou seja, a criação de Israel e de um Estado palestino. Até então, a região era uma colônia britânica. A partilha é rejeitada por árabes e palestinos, que prometem lutar contra a formação do Estado judaico.

1949 – (Expansão das fronteiras) Em 1949 Israel vence guerra árabe-israelense e expande fronteiras. Cisjordânia e Jerusalém Oriental ficam com a Jordânia; Gaza, com o Egito.

1987 – (Intifada) Entre 1987 e 1993, os palestinos empreenderam uma revolta popular contra Israel que ficou conhecida como Intifada. Marcada pelo uso de armas simples, como paus e pedras lançadas pelos palestinos contra os israelenses, a Intifada incluiu também uma série de atentados graves contra judeus.

1993 – (Acordos de Oslo) Em 1993, na Noruega, Israel se compromete a devolver os territórios ocupados em 1967 em troca de um acordo de paz definitivo. Israel deixa boa parte dos centros urbanos palestinos em Gaza e Cisjordânia, dando autonomia aos palestinos, mas mantém encraves. O prazo é adiado devido a impasses sobre Jerusalém, o retorno de refugiados palestinos, os assentamentos judaicos e atentados terroristas palestinos.

1998 – (Processo de paz) Após acordos de paz entre israelenses e palestinos, como o de Oslo (93) e o de Wye Plantation (98), Israel entregou porções de terra aos palestinos.

2000 – (Camp David) Em julho de 2000, em Camp David (EUA), Israel ofereceu soberania aos palestinos em certas áreas de Jerusalém Oriental e a retirada de quase todas as áreas ocupadas, mas Iasser Arafat [morto 11 de novembro de 2004, após ficar internado durante 14 dias em um hospital militar na França] exigiu soberania plena nos locais sagrados de Jerusalém e a volta dos refugiados. Israel recusou.

2000 – (Segunda Intifada) O segundo levante popular palestino contra Israel que teve início em setembro de 2000 ficou conhecido como segunda Intifada, e começou quando o então premiê de Israel, Ariel Sharon, visitou a Esplanada das Mesquitas, local mais sagrado de Jerusalém para palestinos e judeus (que o chamam de Monte do Templo).

2002 – (Muro de proteção) Israel começa a erguer uma barreira para se separar das áreas palestinas com o objetivo de impedir a entrada de terroristas. Palestinos afirmam que a construção do muro é uma anexação de território. A construção inclui série de muros de concreto, trincheiras fundas e cercas duplas equipadas com sensores eletrônicos

2002 – (Quarteto) Em outubro de 2002, um enviado dos EUA apresenta pela primeira vez um esboço do plano de paz internacional elaborado pelo Quarteto [EUA, Rússia, União Européia e ONU]. O novo plano segue as linhas traçadas pelo presidente dos EUA, George W. Bush. Prevê o fim da violência, seguido por reformas políticas e nos serviços de segurança palestinos e a retirada de Israel de territórios ocupados.

Forças israelenses cercam Arafat na Muqata (QG do líder) em meio a uma ampla ofensiva lançada após uma onda de ataques terroristas em Israel. Arafat fica proibido por Israel de deixar a Muqata. Fica confinado até antes de sua morte, em novembro de 2004.

2003 – (Plano de Paz Internacional) O plano é oficializado em 2003. Seu texto propõe um cessar-fogo bilateral, a retirada israelense das cidades palestinas e a criação de um Estado palestino provisório em partes da Cisjordânia e da faixa de Gaza. Em uma última fase, seria negociado o futuro de Jerusalém, os assentamentos judaicos, o destino dos refugiados palestinos e as fronteiras. Não é mencionado no texto a exigência do governo israelense de que o presidente da ANP (Autoridade Nacional Palestina), Iasser Arafat, morto em 11 de novembro último, seja removido do cargo. Apenas diz que os palestinos precisam de uma liderança que atue duramente contra o terror.

2004 – (Morte de Arafat) Em novembro, morre o líder da Organização pela Libertação da Palestina, Yasser Arafat.

2005 – (Eleição) Em janeiro, Mahmoud Abbas vence as eleições e se torna o novo presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP

2005 – (Plano de retirada) Lançado pelo premiê israelense, o plano unilateral de Sharon --que alega ter tomado essa iniciativa por não contar com interlocutores confiáveis no lado palestino-- visa retirar de Gaza e parte da Cisjordânia 25 assentamentos judaicos e suas forças militares. Convivem hoje no território 1,3 milhão de palestinos e cerca de 8.500 judeus. Facções contrárias à retirada adotam o discurso de não desistir de nenhum centímetro de terra.

2006 – (Afastamento de Sharon) Em janeiro, o então premiê israelense Ariel Sharon sofre um derrame cerebral e entra em coma. Ele é substituído interinamente pelo atual premiê, Ehud Olmert. Em março, eleições israelenses dão a vitória ao partido Kadima (centro), de Olmert, e após formar uma coalizão o líder é confirmado no posto de premiê israelense.

2007 – (Governo de coalizão palestino) Após meses de negociações, os partidos palestinos rivais Fatah (do presidente da ANP, Mahmoud Abbas) e Hamas (do premiê palestino, Ismail Haniyeh) concordam com a criação de um novo gabinete com poder compartilhado. O acordo foi fechado em Meca (Arábia Saudita) em uma reunião com Abbas, Haniyeh e o líder político do Hamas na Síria, Khaled Meshaal, no dia 8 de fevereiro.

A negociação foi marcada pela violência interna que custou a vida de dezenas de palestinos entre dezembro e fevereiro.

Apesar da comunidade internacional --incluindo Israel-- ter pressionado pela realização do acordo entre os dois movimentos, Israel não tem a intenção de tratar com o novo governo palestino.

O Hamas continua a não aceitar de forma direta ou indireta o reconhecimento de Israel, os acordos firmados e a renúncia à violência, informou um comunicado do Ministério de Relações Exteriores de Israel. Esses três pontos são as exigências da comunidade internacional para o fim do bloqueio financeiro à ANP.

2008 – (Intervenção dos EUA) Em janeiro, representantes de Israel e da ANP reúnem-se para recomeçar as negociações sobre o futuro de Jerusalém, os assentamentos, os refugiados palestinos, as fronteiras, a segurança e os recursos hídricos. É a primeira vez que os assuntos são tratados desde Cúpula de Taba, em janeiro de 2001.

As conversas de paz, como muitas tentativas anteriores, não amenizam o clima de guerra entre palestinos e israelenses e os jornais noticiam freqüentemente ataques violentos das duas partes.

Em 13 de março, o Jihad Islâmico (grupo extremista palestino) em Gaza disparar mais de uma dúzia de foguetes contra o sul de Israel após forças secretas israelenses terem matado um de seus líderes em um ataque ocorrido na véspera na Cisjordânia. Em abril, o presidente da ANP, Mahmoud Abbas, reitera no Egito seu desejo de que o conflito palestino-israelense seja resolvido antes do final deste ano. "Pedimos a todas as partes (envolvidas no processo de paz) que empreguem o esforço máximo para alcançar um acordo antes do final do ano. Queremos conseguir uma solução antes do fim de 2008".

Além disso, pediu ao presidente americano, George W. Bush, "que trabalhe para que (Israel) cesse a construção de assentamentos judaicos, com o objetivo de chegar a um tratado que garanta a recuperação das fronteiras anteriores a 1967."

ESTUDO DE CASO E CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nos anos 1980, as descobertas arqueológicas abalam os mitos fundadores. Moisés não conduziu à “terra prometida”. Não houve revolta dos escravos egípcios. O reinado suntuoso de Davi e Salomão foi inventado. A “segunda diáspora”, também.

Mas eis que, ao longo dos anos 1980, a terra treme, abalando os mitos fundadores. Novas descobertas arqueológicas contradizem a possibilidade de um grande êxodo no século 13 antes da nossa era. Da mesma forma, Moisés não poderia ter feito os hebreus saírem do Egito, nem tê-los conduzido à “terra prometida” — pelo simples fato de que, naquela época, a região estava nas mãos dos próprios egípcios! Aliás, não existe nenhum traço de revolta de escravos no reinado dos faraós, nem de uma conquista rápida de Canaã por estrangeiros.


Tampouco há sinal ou lembrança do suntuoso reinado de Davi e Salomão. As descobertas da década passada mostram a existência de dois pequenos reinos: Israel, o mais potente; e a Judéia, cujos habitantes não sofreram exílio no século 6 a.C. Apenas as elites políticas e intelectuais tiveram de se instalar na Babilônia, e foi desse encontro decisivo com os cultos persas que nasceu o monoteísmo judaico.


E o exílio do ano 70 d.C. teria efetivamente acontecido?


Paradoxalmente, esse “evento fundador” da história dos judeus, de onde a “diáspora” tira sua origem, não rendeu sequer um trabalho de pesquisa. E por uma razão bem prosaica: os romanos nunca exilaram povo nenhum em toda a porção oriental do Mediterrâneo. Com exceção dos prisioneiros reduzidos à escravidão, os habitantes da Judéia continuaram a viver em suas terras mesmo após a destruição do Segundo Templo.


Uma parte deles se converteu ao cristianismo no século 4, enquanto a maioria aderiu ao Islã, durante a conquista árabe do século 7. E os pensadores sionistas não ignoravam isso: tanto Yitzhak ben Zvi, que seria presidente de Israel, quanto David ben Gurion, fundador do país, escreveram sobre isso até 1929, ano da grande revolta palestina.


Ambos mencionam, em várias ocasiões, o fato de que os camponeses da Palestina eram os descendentes dos habitantes da antiga Judéia.


O êxito da religião de Jesus não colocou fim ao judaísmo. Cem anos depois, surgiu o vigoroso reino judeu de Himiar, onde atualmente está o Iêmen. Após o século 7, berberes judaizados participaram da conquista da Península Ibérica.


Mas, na falta de um exílio a partir da Palestina romanizada, de onde vieram os judeus que povoaram o perímetro do Mediterrâneo desde a Antigüidade? Por trás da cortina da historiografia nacional, esconde-se uma surpreendente realidade histórica: do levante dos macabeus, no século 2 a.C., à revolta de Bar Kokhba, no século 2 d.C., o judaísmo foi a primeira religião prosélita. Nesse período, a dinastia dos hasmoneus converteu à força os idumeus do sul da Judéia e os itureus da Galiléia, anexando-os ao “povo de Israel”. Partindo desse reino judeu-helenista, o judaísmo se espalhou por todo o Oriente Médio e pelo perímetro mediterrâneo. No primeiro século de nossa era surgiu o reinado judeu de Adiabena, no território do atual Curdistão, e a ele seguiram-se alguns outros com as mesmas características.


Desde os anos 1970, uma sucessão de pesquisas “científicas” israelenses se esforça para demonstrar, por todos os meios, a proximidade genética dos judeus do mundo inteirEsses relatos sobre as origens plurais dos judeus figuraram, de forma mais ou menos hesitante, na historiografia sionista até o início dos anos 1960. Depois disso, foram progressivamente marginalizados e, por fim, desapareceram totalmente da memória pública israelense. Afinal, os conquistadores de Jerusalém em 1967 deveriam ser os descendentes diretos de seu reinado mítico, e não de guerreiros berberes ou cavaleiros cazares. Com isso, os judeus assumiram a figura de éthnos específico que, depois de 2 mil anos de exílio e errância, voltava para a sua capital.


E os defensores desse relato linear e indivisível não mobilizam apenas o ensino de história: eles convocam igualmente a biologia. Desde os anos 1970, uma sucessão de pesquisas “científicas” israelenses se esforça para demonstrar, por todos os meios, a proximidade genética dos judeus do mundo inteiro. A “pesquisa sobre as origens das populações” representa hoje um campo legítimo e popular da biologia molecular, e o cromossomo Y masculino ganhou um lugar de honra ao lado de uma Clio judia na busca desenfreada pela unicidade do “povo eleito”.

Essa concepção histórica constitui a base da política identitária do estado de Israel e é exatamente seu ponto fraco. Ela se presta efetivamente a uma definição essencialista e etnocentrista do judaísmo, alimentando uma segregação que mantém a distância entre judeus e não-judeus.


Israel, 60 anos depois de sua fundação, não aceita conceber-se como uma república que existe para seus cidadãos. Quase um quarto deles não é considerado judeu e, de acordo com o espírito de suas leis, esse estado não lhes pertence. Ao mesmo tempo, Israel se apresenta como o estado dos judeus do mundo todo, mesmo que não eles não sejam mais refugiados perseguidos, e sim cidadãos com plenos direitos, vivendo como iguais nos países onde residem. Em outras palavras, um etnocentrismo sem fronteiras serve de justificativa para uma severa discriminação ao invocar o mito da nação eterna, reconstituída para se reunir na “terra dos antepassados”.


Escrever uma nova história judaica, para além do prisma sionista, não é tarefa fácil. A luz que se refrata ao passar por esse prisma se transforma, insistentemente, em cores etnocêntricas. Mas, se os judeus sempre formaram comunidades religiosas em diversos lugares e elas foram, com freqüência, constituídas pela conversão, obviamente não existe um éthnos portador de uma mesma origem, de um povo errante que teria se deslocado ao longo de 20 séculos.

Sabemos que o desenvolvimento de toda historiografia — e, de maneira geral, as da modernidade — passa pela invenção do conceito de nação, que ocupou milhões de seres humanos nos séculos 19 e 20.


Recentemente, porém, esses sonhos começaram a ruir. Cada vez mais pesquisadores analisam, dissecam e desconstroem os grandes relatos nacionais e, principalmente, os mitos da origem comum, caros aos cronistas do passado. Certamente os pesadelos identitários de ontem darão espaço, amanhã, a outros sonhos de identidade. Assim como toda personalidade é feita de identidades fluidas e variadas, a história também é uma identidade em movimento.


A relação entre Deus e a ciência é outro aspecto que apresenta dimensões materiais e imateriais. Do ponto de vista do zen-budismo, monja Coen acredita que "desenvolvemos uma corrida científica e tecnológica muito importante, mas questionamos quem somos nós. Estamos em plenitude, ou o que nos falta? Essa falta leva a uma procura. Será que deixaremos uma herança não-material para nossos descendentes?".


Citando pensadores que abordaram a relação entre o divino e a ciência. "Para Lacan, 'Deus é o Sujeito da Ciência'. Já Hegel diz: 'Deus é a Idéia Absoluta, o Devir do Espírito, o Universal Concreto...' Em contraste, temos Nietzsche: 'Deus deve morrer e o Homem deve ser superado'." Maria Cecília lembra Gilbert Durand, autor de A Imaginação Simbólica (Edições 70, Portugal, 1995), entre outros: "O que leva o homem a se relacionar com um ser superior é seu desejo, ou intuição, de que existe algo além da matéria. Algo indizível e invisível que a razão simbólica materializa em mitos e ritos".


Em sintonia com o pensamento da educadora está padre Libânio. "O ser humano é especialmente simbólico. Ao tomar água pode ver, além de H2O, vida. A gente não se satisfaz com alimentos, precisa reinventar, com mesa, pratos, talheres... Nos relacionamos com coisas, pessoas e uma figura maior: Deus", explica. "Para citar Jung, há um grande inconsciente coletivo, um processo profundo de criação de imagens. Não criamos sozinhos: o conhecimento passa pelas moléculas. Mesmo que não siga uma religião, o ser humano nutre um sentimento religioso."


No culto multirreligioso celebrado em 17 de dezembro de 2007 no Tribunal Regional Eleitoral em São Paulo, o rabino Alexandre Leoni, da Federação Israelita do Estado de São Paulo, festejou o Brasil, um país sem conflitos religiosos. Essa realidade, porém, não é unânime no mundo, com as disputas no Oriente Médio, que envolvem mais o poder que o nome de Deus, apesar de o terem como pretexto. Relembrou-se o panorama dos últimos 18 anos, entendendo, como Eric Hobsbawm, que o século XX termina com a queda do Muro de Berlim, em 1989. "Do fim do século XX para cá, percebemos um aumento das religiosidades. Algumas delas servem como fundamento para a intolerância."


Alguns professores da PUC/SP se mostra veementemente contra os fundamentalismos: "A adoração é imanente, 'a marca do Homem é o Inacabado', nas palavras de Edgar Morin. Porém, precisamos diferenciar adoração de fanatismo. Mesmo o conflito Israel-Palestina não deveria existir pelas tradições religiosas desses povos". Como observa Maria Cecília, "o contato com o divino nunca foi algo pacífico. Se, se pensar nas religiões antigas desde a Suméria, se verá que a religião sempre foi uma forma de ritualizar a violência. As 'guerras santas' sempre existiram".


O padre Libânio compreende os conflitos da seguinte forma: "Existe bondade e violência no ser humano. Vejamos o pecado original, que é mal entendido: Adão e Eva percebem a nudez quando encontram a ambigüidade. Caim mata Abel, irmãos que se amam acabam se matando. A religião prega a paz, mas também participa da ambigüidade quando afirma: defendo minha religião e mato por ela".


Num tom apaziguador, o rabino Michel Schlesinger, substituto de Henry Sobel na Congregação Israelita Paulista (CIP), argumenta: "Não conheço nenhuma religião que apregoe, em sua essência, a guerra. O conflito é sempre uma manipulação dos princípios religiosos. Infelizmente, existem fundamentalistas em todos os grupos religiosos. Mas a religião deve ser sempre um caminho para a paz".


A declaração faz coro à de monja Coen. "As religiões são bandeirinhas que se botam na frente. Não se questiona a verdade da Torá, do Talmud ou do Corão." Segundo a religiosa, quando houve guerras medievais no Japão, questionou-se o budismo por se ausentar (como os católicos no Holocausto). "É preciso ter uma atitude crítica: Gandhi parou guerras na Índia conversando." Para a monja as pessoas precisam ser mediadoras de conflitos, deixar uma herança de carinho e não de ódio. "Acredito que possamos criar uma cultura de paz."


REFERÊNCIAS

FOERSTER, Friedrich Wilhelm. Questão judaica, A : Consideração sobre o mistério de Israel. [S.l.]: Herder, 1990. 190 p.

HALL, Stuart. Identidade cultural na pós-modernidade, A . Tradução de Tomaz Tadeu Silva, Guacira Lopes Louro. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. 102 p., 16 cm.

KAMEL, Ali. Sobre o Islã : a afinidade entre muçulmanos, judeus e cristãos e as origens do terrorismo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007. 319 p., 22 cm.

SKARSAUNE, Oskar. À sombra do templo : as influências do judaísmo no cristianismo primitivo. Tradução de Antivan Guimarães Mendes. São Paulo: Vida, 2004. 480 p., 23 cm.

VALENTE, Luize. Israel : rotas e raízes. [S.l.]: Fototema, 1999. 103 p.

Por: CAMILLA GARCIA CABRAL,

CAMILA GALLEGO YASUNARI e

FÁBIO LUIZ SILVA DE OLIVEIRA

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Este que vos fala!

Minha foto
Ateu, Socialista, Idealista, Humanista, Amante de Boa Música e de Bons Vinhos! Gay Nerd! Estudante de Fotografia e Hitória da Arte!

Existe poesia erótica ou tudo é pornografia?