quarta-feira, 22 de julho de 2009

Estudos sobre homoerotismo na literatura mostram a opressão em faces diversas


"A USP precisa recuperar seu espaço de vanguarda e voltar a discutir todas as diferenças". Essa frase, do professor Emerson Inácio da Costa, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, resume a questão dos estudos em homossexualidade na Universidade. Ele é orientador de iniciações científicas e de pesquisas pós-graduação na área e um dos coordenadores da Associação Brasileira de Estudos Homoeóticos (ABEH), além de fazer parte do recém-criado Programa de Estudos da Diversidade (Homo)Sexual (PEDHS) da USP (leia mais na matéria sobre o PEDHS). Para o professor, a universidade forma para a diversidade, mas ainda existe muito preconceito tanto em relação aos estudos sobre homossexualidade quanto em relação aos próprios homossexuais.

Em contrapartida, existem hoje mais áreas do conhecimento interessadas no assunto. O que antes era reservado à antropologia e à literatura, atualmente gera interesse também na área da saúde, por exemplo. O Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) estuda atualmente a questão do uso das drogas entre os homossexuais - e os motivos diversos que os levam a isso, da sensação de exclusão na sociedade aos valores liberais associados ao grupo. Além disso, existem também pesquisas que procuram desmistificar, em termos científicos, o estigma de "não naturalidade" desta orientação sexual.


A literatura dos marginais
Entre os seus orientandos, Costa tem o graduando de letras Sinei Ferreira Sales, que aborda a literatura dos excluídos nas vozes dos poetas Paulo Teixeira e Valdo Motta, ambos homossexuais. Teixeira, nascido em Moçambique e radicado em Portugal, faz sua poesia a partir da sua própria experiência de vida. Já Motta, capixaba e militante gay, dá uma resposta à pressão da Igreja Católica dialogando tanto com a bíblia quanto com o candomblé. Os dois escritores utilizam-se da escatologia e da linguagem apocalíptica própria de um tempo de crise, na tentativa de superá-la. E ambos escrevem na década de 1990, justamente quando os movimentos gays estavam se organizando - em parte, por conta da aids, que à época ainda era relacionada principalmente aos homossexuais.

Para Sales, estudar esses dois autores é apenas uma forma de mostrar o preconceito da sociedade, tanto no cotidiano quanto dentro da literatura. "Nossa própria sociedade é brutalmente homofóbica; e a homofobia não é arbitrária ou gratuita, mas rigorosamente intrincada na textura familiar, de gênero, idade, classe, e relações raciais. Nossa sociedade não poderia cessar de ser homofóbica e ter sua estrutura econômica e política sem mudanças”, diz ele, citando Eve Sedgwick, estudioso do tema.

Em termos práticos, a razão pela qual é preciso uma leitura homoerótica da literatura, bem como feminina, negra, entre outras abordagens próprias das minorias, deve-se à necessidade de se encarar uma manifestação cultural não com normalidade, mas com a importância que ela deve ter. Ou a "não importância", como alguns querem. Este é o caso dos gays que desejam apenas ser reconhecidos como homens que sentem desejo por outros homens, e das lésbicas, por mulheres. Para o pesquisador, trata-se de dar visibilidade a tais grupos e, consequentemente, "possibilitar a luta contra uma estrutura que oprime essas minorias: o patriarcalismo".

Segundo o aluno, os autores trabalham de forma diferente a questão da opressão vivida. Enquanto Teixeira fica entre a opressão sofrida pelo eu-lírico (chamada de "estética do armário") e a satisfação de se alcançar o seu próprio Deus através do desejo, Motta encontra seu Deus através do próprio corpo, "do contato com as entranhas, enquanto é muitas vezes impedido de possuir e ser possuído pela sociedade opressora."


Saudação ao Menino
Que vento te traz ao meu templo,
Semente de luz, não importa.
Importa é que a mim vens dar. Entra.
E vive em mim, de mim, até o fim
De nosso carma juntos nesta dança.
Vive em mim, de mim, menino, qual
bromélia no tronco da mangueira.
Deus queira, erê. Eu quero. Ererê.¹


"Quando lemos Teixeira e Motta, fica evidente a força que a religiosidade ainda tem nas culturas brasileira e portuguesa. Mas é importante mostrar que a forma de encará-la tem mudado. O corpo e o desejo homoerótico deixam de ser vistos como pecado para, através da escatologia dos autores - de forma epifânica - serem vistos como um meio de alcançar Deus".

¹TEIXEIRA, Paulo. Patmos. Lisboa: Ed. Caminho, 1994


Fonte: USP Online

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Existe poesia erótica ou tudo é pornografia?