quarta-feira, 22 de julho de 2009

Pró-Reitoria de Cultura e Extensão cria programa para resgatar o direito à memória homossexual no país



(Professor Horário Costa)
Tendo como um dos intuitos recuperar e assumir o direito à memória de grupos por muito tempo marginalizados, foi inaugurado nessa segunda-feira (30/03) o Programa de Estudos da Diversidade (Homo)Sexual (PEDHS) da USP. O Colóquio Direitos Humanos e Diversidade (Homo)Sexual , realizado no auditório do Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP, marcou a abertura do projeto, contando com a presença de docentes e membros dos governos estadual e federal. Além do debate sobre direitos humanos e homossexualidade, o evento incluiu discussões sobre o corpo e a arte e sobre literatura, ambas permeadas pelos temas centrais do colóquio. E foi com este espírito de revisão de paradigmas e abertura para as diversidades que a Pró-Reitoria de Cultura e Extensão, representada pelo assessor técnico de gabinete Paulo Cesar Xavier Pereira, deu início ao programa. "É preciso repensar o tratamento da sexualidade dentro da universidade", sintetizou Pereira.

No PEDHS, professores de diferentes unidades irão interagir para realizar estudos, pesquisas e coletar dados para serem disponibilizados para a sociedade. Para Horacio Costa, coordenador do programa e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, os homossexuais sempre foram uma minoria excluída de uma ideía de "normalidade" - e isso precisa ser modificado. "A memória é um direito humano, e a comunidade LGBT também precisa ter uma identidade sistematizada", explica, abordando a proposta do grupo.

O PEDHS conta com o apoio dos governos estadual e federal. Após a quarta edição do Congresso da Associação Brasileira de Estudos da Homocultura (Abeh), realizada na USP no ano passado, representantes do projeto federal "Brasil sem Homofobia" entraram em contato com alguns professores, como o próprio Costa e Emerson Inácio da Cruz (também da FFLCH), sobre a possibilidade de criar um projeto maior. A ideia foi levada para a Pró-Reitoria de Cultura e Extensão, e o programa foi montado. Hoje, apesar de estar em fase ainda inicial, ele já conta com professores da Escola de Comunicação e Artes (ECA), da FFLCH e de outras unidades, principalmente da área de humanidades.

Bois podem e querem falar
Ao iniciar sua explicação sobre o PEDHS, o professor Horácio Costa recitou uma estrofe do poema Girassol da Madrugada, de Mario de Andrade:

Tive quatro amores eternos...
O primeiro era uma donzela,
O segundo... eclipse, boi que fala, cataclisma,
O terceiro era a rica senhora,
O quarto és tu... E eu afinal me repousei dos meus cuidados.


De acordo com Costa, na correspondência trocada entre Mario de Andrade e e Manuel Bandeira, a parte do verso "eclipse, boi que fala, cataclisma" na verdade era o nome de um homem, apresentando-se assim como uma poesia que falava de homossexualidade. Preocupado, Bandeira recomendou Andrade a mudar essa parte, colocando outra coisa em seu lugar. Após alguns anos e muitas cartas, o poema ficou com essa configuração.

Falar em cataclismas, eclipses e bois que falam é uma forma de demonstrar a falta de espaço que o homossexual tem dentro da sociedade, representada, inclusive, pela arte vigente. Costa mostra que o programa quer mudar esse paradigma de desassociação da homossexualidade na sociedade: "Nenhum cataclismo à vista, agora que, depois do eclipse histórico a que foram submetidos, bois podem e querem falar", brinca o professor com os versos do poema, sem se distanciar, porém, da seriedade que assunto evoca.

Entre cultura e exclusão: o homoerotismo como gênero literário
Para o professor da ECA, Ferdinando Martins, é preciso saber que ainda existe muita resistência para se entender uma cultura homoerótica. Por isso, é importante que sejam destacados e catalogados todos os documentos, todas as produções que permeiam o tema. Ele, que pesquisa teatro e sexualidade, diz haver uma dificuldade muito grande em encontrar dramaturgos que se assumam como escritores homoeróticos. "Acho que o único que se assume como tal é o João Silvério Trevisan", comenta.

"Só que homossexualidade não existe, nunca existiu. Existe sexualidade - voltada para um objeto qualquer de desejo. Que pode ou não ter genitália igual, e isso é detalhe. Mas não determina maior ou menor grau de moral ou integridade." Caio Fernando Abreu, em Pequenas epifanias: crônicas, 1986-1995 (Agir Editora)

O PEDHS lidará com todas as vertentes de cultura para entender a questão do homoerotismo e as formas como ele é trabalhado. Não são poucos os casos em que o homossexual é colocado como inferior, e traços tradicionalmente relacionados aos gays, como trejeitos afeminados e voz fina, são colocados na literatura, na música e no teatro de forma a desmerecer a pessoa a quem se refere. Para o professor Emerson Inácio da Cruz, "esses estudos são uma forma de recuperar a identidade desse grupo, até para conseguir unir a discussão que está tão fragmentada". Emerson comanda uma pesquisa de iniciação científica com alunos da graduação sobre literatura homoerótica.

Hoje, muitos são os trabalhos culturais sobre o tema, mas ainda não há no país um centro que os reúna, o que dificulta uma pesquisa segmentada e uma unidade de trabalho. Um dos projetos do PEDHS, em longo prazo, é montar uma biblioteca temática para facilitar esse tipo de pesquisa. A ideia, ainda em fase embrionária, está sendo trabalhada pelos participantes, que julgam que a iniciativa como inovadora.


Fonte: USP Online


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Existe poesia erótica ou tudo é pornografia?